É com muita alegria que escrevo este primeiro artigo para o website da Reorganiza, uma empresa que, como eu, procura dar o máximo possível de conhecimento aos seus clientes, de maneira que possam tomar as melhores decisões no que diz respeito ao seu presente e ao seu futuro. Sou Urbanista e Consultora para Investimentos Imobiliários, e hoje venho trazer um conceito que não é novo, mas que ganhou tração com o Covid-19: a cidade de 15 minutos.
As ‘cidades de 15 minutos’ são locais onde, a uma distância de 15 minutos a pé ou de bicicleta, as pessoas devem poder usufruir da essência do que constitui a experiência urbana: trabalho, habitação, alimentação, saúde, educação, cultura e lazer, mobilidade ativa fácil e prazerosa, em contacto com a natureza. Deslocar-se por longos trajetos passa a ser uma escolha, e não uma necessidade diária.
Um conceito que nasce na cidade de Paris
‘Cidade de 15 minutos’ é o termo mais conhecido internacionalmente, popularizado pela Presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, e pelo Professor da Universidade Sorbonne, Carlos Moreno. No entanto, tem-se usado muitos outros termos para descrever o mesmo conjunto de princípios: ‘cidade em escala humana’ em Buenos Aires, ‘bairros vitais’ em Bogotá, ‘bairros completos’ em Portland, Oregon, ‘bairros de 20 minutos’ em Melbourne, ‘superquadras’ em Barcelona, etc.. As cidades holandesas, por exemplo, já são líderes na implementação das cidades de 15 minutos, com estruturas e espaços públicos descentralizados, únicos e memoráveis, repletos de arte e natureza.
Tal é o apelo do conceito que em Paris a sua adoção como argumento de campanha foi fundamental para a reeleição em 2020 de Anne Hidalgo. A sua implementação visa reduzir a poluição do ar e as horas perdidas no trânsito, melhorar a qualidade de vida dos parisienses, e ajudar a cidade a atingir a meta de se tornar neutra em carbono até 2050. Os planos de Hidalgo incluem a instalação de uma ciclovia em cada rua e ponte, espaços de escritórios e de co-working, nos bairros onde ainda não existe essa oferta, bem como incentivar as pessoas a consumir localmente e, fora do horário escolar, estender o acesso aos parques infantis das escolas à população local, a fim de compensar a falta de espaços verdes públicos.
O conceito está a transformar a capital francesa – e pode fornecer um modelo de como criar comunidades locais mais resilientes e fazer os seus residentes mais felizes.
A estratégia é adotar uma distribuição mais descentralizada de pólos urbanos, em que cada pólo seja auto-suficiente. Bairros de uso misto, que proporcionem uma oferta equilibrada de serviços e atividades, que convidem a percorrer e a interagir, com convívio social e oportunidades para empreendedores.
A pandemia acelerou tudo
O conceito não é novo, mas acabou sendo impulsionado pela pandemia, a qual transformou a maneira como trabalhamos, nos deslocamos, fazemos compras e socializamos, em grande parte para melhor, e assim criando um enorme apetite para mudanças. A partir da pandemia acelerou-se a tendência que já vinha se revelando de migração populacional de cidades muito grandes para cidades de médio porte, demonstrando claramente que é em ambientes mais compactos, e no entanto bem estruturados, que as pessoas desejam viver. Esta crise é portanto uma grande oportunidade para experimentar modelos de organização urbana que sejam mais compatíveis com os desafios sociais e ecológicos da atualidade, enquanto favorecem o desenvolvimento económico sustentável. Nada mau é também o sentido de acolhimento e pertença que normalmente é percebido nas comunidades pequenas – todos nós mais felizes.
É claro que precisamos de adaptar este conceito para diferentes realidades, uma vez que nem todas as pessoas têm a possibilidade, por exemplo, de ter um emprego a 15 minutos de distância. Mas muitas circunstâncias podem – e algumas de fato estão a ser – significativamente alteradas.
O exemplo de Londres
Não apenas a pandemia, mas outros eventos podem ter um impacto dramático nas cidades, onde áreas de uso único ou predominante acabam por tornar-se vulneráveis. Um exemplo é o imponente distrito de Canary Wharf, em Londres, construído para hospedar sedes e subsidiárias de gigantes financeiras e de consultoria. A crise financeira de 2008 foi uma experiência de quase morte, com os bancos desde então reduzindo drasticamente os empregos e a demanda por mesas. Com o Brexit, muitas empresas estão repensando suas operações no Reino Unido. Foi, entretanto, anunciado um atraso significativo na conclusão de uma linha de transporte que é determinante para a área, a Crossrail, já que os acessos atuais não são abundantes. E veio o surto do Covid-19, desencadeando uma revolução do trabalho de dentro da empresa para o remoto, uma prática que provavelmente não será totalmente revertida. Para sobreviver (e florescer), Canary Wharf está agora a promover a ocupação dos espaços vagos com empreendimentos de saúde e ciências biológicas, e também apartamentos de luxo, mas ainda precisa de transformar um bairro projetado para negócios numa comunidade.
Lisboa passa pelo mesmo
Já na Baixa lisboeta, bairro muito tradicional mas hoje predominantemente virado para o turismo, nem mesmo a centenária mercearia Manuel Tavares, apontada pelo Financial Times como uma das 50 melhores lojas de comida do mundo, consegue driblar os efeitos da pandemia sobre o desempenho do negócio, que está muito aquém. Clara Ladeira, gerente da loja, lamenta o facto de a região estar ocupada principalmente por hotéis, e portanto com população flutuante, e neste momento ausente de turistas, em detrimento de mais habitantes permanentes. Os bairros de uso misto não são só mais funcionais e agradáveis, mas também mais resistentes às intempéries.
Os núcleos urbanos continuam a ter sua importância – e cada vez mais
As cidades floresceram porque são pólos de atividades económicas, culturais e sociais. Desde o século passado, a cada nova onda tecnológica, especulou-se erradamente sobre o possível enfraquecimento das cidades. Mas, em cada ocasião, estas ficaram mais fortes, tendo através das referidas tecnologias confirmado o valor da proximidade e da partilha de espaços e serviços. É nas cidades que se encontram as maiores oportunidades de interação, e onde a criatividade encontra alimento e público. As pessoas continuarão a ser atraídas para as cidades em busca de desenvolvimento e realização.
Bairros de 15 minutos e os tipos de habitação que funcionam bem neles não são caros de criar ou manter. O seu valor é evidente, mas eles costumam ter valores imobiliários exacerbados apenas por serem muito populares, e ainda não termos construído o suficiente. Também em Portugal os promotores veem que este é o caminho a seguir, entre eles o CEO da promotora de imóveis de luxo Vanguard Properties, José Cardoso Botelho, o que promete que veremos mais (e poderemos adotar como lar) bairros assim.
Uma oportunidade de mudança sustentável
A cidade de 15 minutos pode ainda ser vista como uma reação do urbanismo a impactos subsequentes, da migração em massa para as cidades quando estas não tinham a capacidade estrutural de acomodar nem os que lá já viviam – e muito menos os tantos que chegavam – e que vinham no anseio legítimo de melhores condições de vida, fugindo a dificuldades financeiras, alterações climáticas, conflitos e guerras. O crescimento descontrolado do turismo e da especulação imobiliária, que tornou os custos de habitação inacessível para muitos, empurrou as pessoas para a margem dos centros urbanos, onde nem sempre há serviços ou oportunidades, obrigando-os a grandes deslocações diárias e rotinas desgastantes. É um caminho, um plano, uma possibilidade de transformação da forma como vivemos hoje para um modelo mais coerente com o que desejamos para o nosso presente e o nosso futuro.
Sobre a autora:
Profissional de vendas B2B e B2C há mais de 20 anos, Márcia Klein atua no mercado imobiliário de luxo e de investimentos a partir do Brasil. Tem Certificação em Transações Imobiliárias e Pós-Graduação em Marketing, e Mestrado em Desenvolvimento Sustentável de Cidades. É brasileira, viajou extensivamente pelos Estados Unidos da América, viveu em Inglaterra e na Alemanha, e vive hoje feliz em Portugal.
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