Tenho acompanhado com algum interesse a discussão da solidariedade entre gerações que tem vindo a ser desenvolvida nos últimos anos em Portugal. Os problemas financeiros e a (in)sustentabilidade do sistema de segurança social têm abalado a estrutura vigente que, parece, seja necessário discutir para futura revisão (ver por exemplo o Ensaio publicado pela FFMS dedicado ao tema da Segurança Social).
Antes de mais, gostaria de me deter sobre esta ideia de solidariedade entre gerações que tanto se fala. Este conceito tem assumido contornos cada vez mais curiosos, na medida em que, parece-me, é uma solidariedade unidirecional. Os mais novos têm de ser solidários (pagar os direitos instituídos) com os mais velhos (que criaram o sistema e instituíram os direitos a seu favor). E o que é que os mais velhos deixam aos mais novos? Um monte de dívida, um mercado de trabalho completamente destruído e um país onde a corrupção nunca mais acaba. Que bom! O artigo de José Manuel Fernandes no Observador veio dar mais alguns argumentos para este debate. Mostra-nos alguns estudos e relatórios que apontam:
1 – A discussão dos ricos a ficar mais ricos e os pobres a ficar mais pobres por efeitos da austeridade não é assim tão verdadeira, na medida em que a austeridade (especialmente em Portugal) assume um caráter progressivo. No entanto, percebemos claramente que os impactos da austeridade se fazem sentir de forma absoluta mais fortemente nas pessoas com menos níveis de rendimento (apesar de aqui na Reorganiza encontrarmos sérios problemas de sobreendividamento especialmente nas pessoas mais abonadas);
2 – Os “antigos”, sob a forma de sindicatos e ordens profissionais procuram proteger os seus poleiros através de entraves às profissões (como se vê nos advogados, nos jornalistas e noutros). Isto é visível na evolução dos números de desemprego, sendo este mais grave nas camadas mais jovens.
3 – Começamos a falar antes da discussão dos velhos ficaram mais ricos e dos novos ficarem mais pobres. Por último, e nesta discussão, chamar a atenção para o relatório para a reestruturação da dívida portuguesa, publicado recentemente em Portugal. Este relatório mostra-nos um oásis que foi encontrado por quatro pessoas. A cura milagrosa para os problemas do endividamento do país foi descoberta. Não se trata de pedir um “perdão da dívida”, como dizem, mas reestruturar o passivo. A nova moda em Portugal é mudar o sentido as palavras para dizer outra coisa completamente diferente (como as inverdades ou o plano de reconversão de trabalhadores).
Esta ideia milagrosa da reestruturação do passivo passa por atirar o pagamento da dívida para 2045-2050. Voltamos aos disparates do passado em que as gerações antigas nos habituaram a “empurrar” o pagamento das dívidas para as gerações futuras como no caso das PPP (recordo-mo de ver pelo menos um dos assinantes deste estudo a criticar as Parcerias Público Privadas quando era deputado e, agora, vem defender algo do género).
Contas feitas, não fosse esta proposta completamente descabida, a sua implementação seria mais um retomar das políticas de desresponsabilização do passado (já para não falar nas suas consequências ao nível da solvabilidade dos bancos, da credibilidade do país e suas instituições na cena internacional). Propõe que sejam os nossos filhos e os nossos netos a pagar a dívida. Retomando uma expressão popular que é politicamente incorreta, será que não estamos a viver acima das nossas possibilidades?
Resta perguntar: Não aprendemos com os erros? A nossa classe política pode fazer o favor de crescer e aprender? Quem nos Governa faz-me recordar uma banda de rock portuguesa que todos os anos faz um ou dois concertos de despedida, concertos esses que estão cheios de gente que sabe que daí a um ano vão voltar… porque os músicos não sabem quando devem sair de cena!